quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Tatuagem II

Noutro dia, noutra conversa, ela puxou novamente o assunto da tatuagem (a única de que ela tem conhecimento):

- Mas tu não és assim...

- Claro que sou assim! Se fiz é porque sou assim...

- A tua mãe não era assim... Ela não era dessas coisas...

- Mas sou eu!

- Mas isso são os marginais que usam, pessoas sujas, que não prestam, que só fazem mal à gente, que gostam do demónio... As pessoas vão pensar que gostas do demónio! (cara de nojo)

- Oh, Vó!!! Oh, Vó!!! Ó... Vó... Que parvoíce!!! Isso são preconceitos teus!!! Ninguém mais pensa assim, só tu!!!

Ao ouvir a palavra "preconceito", calou-se por uns momentos... Mas voltou à sua expressão de "cara de nojo" e suspirou:

- Ai, a Avó não gosta nada...

-Mas gosto eu! O corpo é meu, a vida minha, eu é que tenho de gostar! - rematei.

História Tatuagem I: http://sabedoriadavo.blogspot.pt/2015/07/tatuagem.html
Várias versões desta conversa, umas mais acesas que outras, vão se repetindo de tempos a tempos, quando ela se lembra. O que geralmente ocorre quando apanha um vislumbre da minha tatuagem. Assim, escondo-a o melhor que posso quando lá vou. Agora que vou casar em breve perguntou-me:

- Mas ele sabe? Ele vai gostar disso?

- Sim, gosta! Não é como tu...

- Ah... - pausa - Oh, eles agora no início gostam sempre de tudo, só p'ra agradar...

- Oh, Vó... - se tu soubesses a quantidade de tatuagens que ele tem... - Ele gosta, sim!

Sujo Na Perna

Certa tarde, apareço na avó de calças rasgadas...

Já aqui escrevi o que a avó pensa das calças rasgadas, mas eu continuo a usá-las quando lá vou. Penso que se ela tiver uma exposição constante, irá habituar-se a elas e deixar de fazer cara feia. Confesso que o processo me dá um certo prazer... Será que devia? Enfim...

A história das calças rasgadas: http://sabedoriadavo.blogspot.pt/2016/10/calcas-rasgadas.html

Aconteceu que, nessa tarde, esqueci-me de um pequeno, grande pormenor... Eu tinha uma nova tatuagem na perna... Tão nova, que me esqueci dela... E ali estava eu de calças rasgadas à frente da avó... Só me apercebi do lapso quando esta interrompe o que ia a dizer para perguntar:

- O que é isso? Tens aí um sujo na perna? - ao mesmo tempo que começou a deslocar-se na minha direção para ver melhor...

Instintivamente tapei o rasgão das calças com um saco que tinha na mão, como se estivesse num daqueles pesadelos, onde de repente nos apercebemos que estamos nús; disse que já estava atrasada (mentira) e fugi dali antes que ela tivesse tempo de pensar. O meu desejo era correr, mas tinha de disfarçar e então, com todo o autocontrolo que pude juntar, andei apenas num passo pouco mais acelerado do que o normal. Sentia-me num daqueles outros pesadelos, em que estamos a correr em pânico, mas por mais que nos esforcemos, não saímos do mesmo sítio.

Finalmente cheguei aos portões da rua, sempre fechados a sete cadeados (sim, cadeados com corrente e tudo; ler a história Portas em http://sabedoriadavo.blogspot.pt/2016/02/portas.html).

O próximo desafio foi procurar as chaves na minha mala de mulher e encontrar aquela chave que me libertaria...


E como naquele outro tipo de pesadelos, onde não vemos, mas sentimos o perigo cada vez mais próximo, eu sentia a minha Aa caminhar atrás de mim... Lentamente... Sempre no mesmo passo... A cada segundo mais próxima! E as chaves certas que não apareciam! Até já estava de joelhos, como que a suplicar aos Deuses...

Deuses esses que devem ter Avós, pois atenderam à minha súplica e, tal como nos filmes, na hora H lá consegui abrir os portões do Inferno. Com as chaves do carro já na mão (meus ricos Deuses), meti-me imediatamente lá dentro e segui rumo ao Olimpo. Sim, porque depois desta experiência qualquer local para onde fosse, seria o Paraíso.

Já passei pela experiência do "sujo no pescoço" com a Avó e foi um passo muito grande para ela...

História Tatuagem II: http://sabedoriadavo.blogspot.pt/2016/12/tatuagem-ii.html
Temos de começar com coisas mais pequenas como as calças rasgadas. O próximo passo talvez seja um piercing na orelha, ou um cabelo diferente...

Última foto do Capitão Sparrow em vida. Causa de morte: o capitão apareceu na Avó com tatuagens, piercings, rastas, roupa rasgada, "pinturas na cara", entre outras coisas do demónio. A Avó chamou as vizinhas, formando assim um exército para exorcizar o demónio.



domingo, 25 de dezembro de 2016

Especial de Natal - 2016


Na semana passada, andei uma tarde inteira às voltas no shopping a pensar no que lhes poderia dar. Algo que precisassem e que usassem de verdade... Comprar uma prenda ao avô é fácil! Ele gosta de tudo, está sempre tudo bem e tudo lhe serve! A Avó já é outra história...  Alguns quilómetros depois, lá faço a minha escolha...

Seja o que Deus quiser! Eu tentei! - pensava eu para os meus botões.

Dia 23 de Dezembro, antes de partir de fim-de-semana, entrego os presentes da Natal à Avó:

- Oh filha, não era preciso... - com um sorriso de orelha a orelha, que surge apenas quando acrescento que o meu irmão (o neto preferido), também ajudou. Pensei que assim talvez usasse mesmo as coisas, em vez de ficarem ad eternum algures na garagem...

- Como disseste que ias passar o Natal fora, a avó não te comprou nada... - algures aqui a minha poker face deve ter fraquejado, porque ela acrescentou - A avó dá-te dinheiro.

Primeiro: "Obrigada" pelo que me toca... Estou a sentir o "Amor"...
Segundo: Claro que aceito o dinheiro, não é! Dá sempre jeito...
Terceiro: Melhor dinheiro, do que uma prenda da garagem, cheia de pó desde há 30 ou mais anos para cá... O que me remete para o próximo ponto...
Quarto: Mas qual "comprar"?! A Avó oferece sempre uma coisa do seu armazém "garagem", activo há décadas, mas sem renovação de stock; ou dinheiro... Não há "comprar"!
Quinto e último: Como é que eu lhe respondo, sem no entanto, lhe mostrar todo o "Amor" que estou a sentir agora? Ah, claro...

- Oh Vó, não é preciso... - tal como ela...

- Oh, não era preciso...  - quando chega a casa decide que não gosta e enfia-o na garagem. Com sorte é reciclado como presente para outro alguém da família.